ICC participou de consulta pública da Prefeitura de Ilhabela e expressou apoio à criação da reserva extrativista (Resex) em Castelhanos, pela preservação do meio ambiente e cultura tradicional caiçara.
Em 2020, a Prefeitura Municipal de Ilhabela abriu uma consulta pública para a criação de uma Reserva Extrativista (Resex) na Baía de Castelhanos, em Ilhabela (SP). O objetivo é garantir proteção ao meio ambiente e à comunidade tradicional caiçara que vive no local, por meio da implementação deste tipo de unidade de conservação.
O Instituto Conservação Costeira, embora tenha atuação mais forte em São Sebastião, manifestou apoio à medida da cidade vizinha Ilhabela, uma vez que a criação de uma unidade de conservação ajuda a proteger este rico patrimônio natural da região, que envolve não só recursos naturais, como áreas de restingas, como também culturais, incluindo a comunidade caiçara e pescadores artesanais da região.
No documento protocolado na consulta pública, o ICC reforça sua experiência com a criação da APA Baleia Sahy, da qual é co-gestor e foi responsável por todo o processo em um histórico que tem muito a agregar ao governo municipal de Ilhabela, colocando-se à disposição para apoiar o projeto da Resex Castelhanos.
Entenda o projeto neste artigo de João Lara Mesquita, na coluna Mar Sem Fim do jornal O Estado de S. Paulo, publicado dia 16 de dezembro de 2020.
Baía dos Castelhanos, Ilhabela, corre perigo; solução pode ser Resex
A Ilhabela no litoral Norte paulista é uma das belezas da costa Sudeste. Um arquipélago às margens de um canal com cerca de 25 km de comprimento, por apenas entre 2 e 7 km de largura que o separa do continente. Distante apenas 213 km da maior cidade do Brasil, São Paulo, a região vive o fenômeno da especulação imobiliária. E este é um problema de difícil solução. A especulação é dos maiores inimigos da costa brasileira. E ela quase sempre está presente justamente nas porções mais ricas do ponto de vista da biodiversidade, e da beleza natural. Baía dos Castelhanos, Ilhabela, corre perigo, solução pode ser a criação de uma reserva extrativista, ou Resex.
Resex, um dos 12 tipos de unidades de conservação previstos na legislação ambiental
Este site não é fã deste tipo de unidade de conservação. Já escrevemos inúmeras vezes a respeito das Resex, uma das 12 categorias de unidades de conservação previstas na Lei do SNUC. Doze é demais.
Este é mais um equívoco da legislação ambiental que também já apontamos. Não cremos que existam tantas categorias em outras legislações mundo afora. Doze tipos de UCs, ao nosso ver, só trazem mais dificuldades e ainda mais burocracia.
Mas apesar disso, é a nossa realidade. Hoje vamos comentar a possiblidade de criação de uma Resex na Baía dos Castelhanos, Ilhabela, cuja consulta pública está aberta.
Resex na Baía dos Castelhanos, Ilhabela
No post Unidades de Conservação brasileiras: alguns problemas comentamos sobre questões da legislação ambiental em vigor. E deixamos claro os motivos pelos quais não acreditamos nas Resex, enquanto conservação, explicando o porquê baseado nas observações in loco que fizemos em todas as Resex federais do bioma marinho. Mas, no mesmo post, fizemos a ressalva abaixo:
Note o estado de preservação da baía de castelhanos, ameaçada por um resort. Imagem, Lailson Santos/ Sectur Ilhabela.
Estas unidades podem ser úteis para garantir que os nativos possam nelas permanecer. As terras são áreas públicas, onde famílias vivem há gerações. Sem título de posse, e sem recursos, estão sujeitas às intempéries como a especulação imobiliária, tão ativa no litoral. Neste sentido elas podem funcionar, mas não podem ser consideradas áreas de conservação.
E este é o caso da Baía de Castelhanos, em Ilhabela: a especulação imobiliária e a necessidade urgente de garantir a posse da terra por quem lá está há gerações, preservando assim o local do concreto armado que arrebenta a paisagem litorânea brasileira.
Ilhabela
Seu maior inimigo é a pouca distância de São Paulo. Isso tornou o arquipélago um dos pontos preferidos de veranistas não só do Estado de São Paulo, como de outros, encantados pela beleza natural, as praias, a mata atlântica e suas cachoeiras, e a fauna. Com a vinda deles, os preços de terrenos subiram. Na cola vieram os especuladores. Só que em Ilhabela vivem caiçaras que chegaram há gerações. E, nos últimos 20 anos talvez até mais, o processo de especulação explodiu.
Casas em costão? Na Ilhabela pode.
Cresceu em quantidade, e intensidade, pela força de especuladores muitas vezes apoiados pelo poder público local, ou seja, inúmeros foram os prefeitos que se aproveitaram do cargo para criarem imobiliárias em nome de laranjas e assim se aproveitarem do momento para, aos poucos, avançarem sobre as áreas já protegidas pela criação do Parque Estadual de Ilhabela em 1977.
O que fizeram alguns prefeitos especuladores? Modificaram o zoneamento de certas praias, entre elas as do Bonete, Castelhanos e Jabaquara, para transformá-las em zonas urbanas o que permitiria a construção de casas, hotéis, condomínios e resorts.
Ilha das Cabras
Mas nem sempre o processo é comandado de dentro das prefeituras. Assim foi com o caso do ex-senador Gilberto Miranda, acusado de apropriação indébita da Ilha das Cabras que integra o Parque Estadual de Ilhabela.
Ilha das Cabras, ‘propriedade’ do ex-senador Gilberto Miranda, o “Ícone da Impunidade.”
Miranda detonou a Ilha das Cabras. Parte da mata nativa foi pro lixo para que ele construísse seu heliponto. Não satisfeito, concretou a costeira. Ali ele mantinha uma mansão. Segundo a Procuradoria da República, Miranda queria transformar a ilha em um “condomínio de luxo”.
A praia e a comunidade do Bonete
Em 2018 os problemas na comunidade do Bonete, em Ilhabela, vieram mais uma vez à tona. Na época o então prefeito, Márcio Tenório, tentou mudar o zoneamento da região do Bonete escorado pelo discurso fajuto de ‘trazer melhorias’ aos moradores, leia-se caiçaras e suas lindas canoas típicas. Foi outro quiprocó que colocou de um lado a comunidade e ambientalistas, do outro o prefeito e suas escusas intenções.
As lindas canoas do Bonete, fruto da tradição que passa de pai para filho há gerações, ainda resistem. Até quando?
É quase sempre assim que agem, e não só em Ilhabela mas em todo o litoral. Pra quem seriam as melhorias, nem sempre se sabe; se para o bolso dos gestores, ou se de fato para os moradores descendentes de famílias que ocuparam as áreas séculos atrás.
Na época o Ministério Público Federal (MPF) do litoral norte instaurou um inquérito civil público, enquanto a parcela da sociedade que se preocupa com a questão ambiental entrou em campo. Depois de muita polêmica, as tais ‘melhorias’ foram deixadas de lado. Mas a ameaça persistiu, agora a vítima é a…
Baía de Castelhanos
Anos atrás, quando ainda frequentava Ilhabela, fiquei sabendo que a mulher de um dos que já ocuparam a prefeitura, Antonio Colucci, se dizia ‘dona’ de vários terrenos na baía de Castelhanos, onde pretendia erguer um resort.
Na época não acreditei, como assim, ser proprietária de área em que há gerações foram ocupadas?
Histórico de ocupação
Ao longo do tempo, as regiões de São Sebastião e Ilhabela tiveram alguns ciclos econômicos. O primeiro deles, a partir do século 17, foi o da cana-de-açúcar.
Ao final deste, começou novo ciclo, que envolveu também Ilhabela, o do café. O declínio do café, ao final do século 19, abriu espaço para um segundo ciclo de cana-de-açúcar, agora para a produção de cachaça.
O que mais ocorre hoje em Ilhabela é o superadensamento.
Os engenhos para a produção de aguardente proliferaram por todo o litoral Norte, chegando ao número de 36 em Ilhabela no final da segunda década do século 20.
A praia dos Castelhanos tinha dois destes engenhos. Um deles, o Engenho Velho, desapareceu junto com as lindas canoas de voga que escoavam a produção para Santos, de onde traziam gêneros de que não dispunha a incipiente vila de Ilhabela.
Outro engenho de Castelhanos, de propriedade de Leonardo Reale, prosseguiu em funcionamento até 1960. Até este tempo, a população vivia da produção agrícola de subsistência, a pesca, e a caça, ou seja, o típico estilo de vida de caiçaras. Foi ainda nesta década que começaram a chegar os primeiros veranistas.
As tradições centenárias não são levadas a sério por ‘certos’ prefeitos.
Aos poucos despontou a nova vocação de Ilhabela, o turismo de segunda residência. Só que o crescimento do turismo foi de tal forma que subiram os preços dos terrenos, atraindo especuladores. Começou a bagunça, e o processo de expulsão dos nativos que há gerações ocupavam aquelas terras e ou praias.
Dos anos 70 em diante
O turismo cresceu em Ilhabela. Dos anos 80 em diante, foi um crescimento exponencial. A prefeitura passou a ser mais valorizada. E assim vários nomes ligados à especulação, e ou irregularidades, também a ocuparam.
Alguns dos mais notórios foram Manuel Marcos (PTB); Antonio Colucci (PP) entre 2009 e 2016; seguido por Márcio Tenório (PMDB) de 2017 a 2019 quando seu mandato foi abreviado. Tenório foi cassado.
O prefeito Manoel Marcos, sócio de imobiliária em 2001
O prefeito Manoel Marcos, por exemplo, ficou famoso em 2005 quando mandou comprar todos os exemplares do jornal O Estado de S. Paulo que trazia reportagem com o título “Prefeito avança na mata”, sobre irregularidades cometidas na venda de terrenos loteados em áreas de reserva ambiental.
A especulação em Ilhabela, promovida também por certos prefeitos, põe à venda até os costões.
A mesma negociata foi denunciada pelo jornalista Fernando de Santis morador do litoral Norte na época. De Santis foi demitido de dois jornais da região, o Imprensa Livre e o Correio do Litoral.
‘Ilhabela tem uma máfia de registro de terra’
E sofreu ameaças de morte por telefone, por três vezes. Mas ele denunciou ao Portal da Imprensa a falcatrua: “Ilhabela tem uma máfia de registro de terra, uma máfia ligada a acertos fundiários. E essa máfia tem um braço dentro da prefeitura. O prefeito Manoel Marcos Ferreira (PTB), que foi reeleito, tem uma imobiliária que foi aberta 43 dias depois da posse dele em 2001…”
Em 2005 a Justiça Eleitoral tornou o prefeito Manoel Marcos inelegível por três anos a partir das eleições de 2004 em razão de irregularidades nos Loteamentos Siriúba 1 e 2, alguns comercializados pela Imobiliária Ilhabela Imóveis, da qual o prefeito era sócio.
Nada de novo no front…Um cassado, outro declarado inelegível; é o que muitas vezes acontece nos balneários mais visados pela especulação litoral afora.
O prefeito Toninho Colucci entre 2009 e 2016
Sua primeira gestão à frente da prefeitura não deixou saudades ao menos para este site. Toninho tentou mudar o zoneamento de praias distantes onde vivem comunidades caiçaras, desapropriou áreas enormes que até hoje não têm sua função pública definida. Conhecido pela sua truculência, ameaçou, e esbravejou contra quem criticou suas ações que, ao nosso ver, contribuíam para interesses menores de especuladores, entre outros.
Em 2013 uma proposta da Prefeitura de Ilhabela para alterar o plano de gerenciamento costeiro trouxe tensão à cidade, disse a Folha de S. Paulo. Pelo projeto, as comunidades de Bonete e Castelhanos, instaladas em praias isoladas, seriam classificadas como Z4, o que as enquadraria como áreas urbanas.
Mas não foi tudo. Enquanto prefeito, doou um milhão para escola de samba enquanto a cidade não tinha sequer saneamento. Ou ameaçou a beleza natural com obras faraônicas e de mau gosto como um mirante em um dos lugares mais bonitos da cidade, que foi barrado na justiça.
Quem haveria de tirar proveito do aberrante mirante que Toninho Colucci foi proibido de erguer?
Toninho responde a dezenas de procedimentos por improbidade, e já deixou claro que não é a favor da RESEX. Em 2020, de acordo com o G1,”Toninho Colucci e a esposa Lúcia Colucci foram sentenciados a cumprir penas em regime semiaberto, a perda de cargos públicos e ressarcimento de R$ 156 mil aos cofres públicos’.
E a monstruosidade que queria construir como mirante foi suspensa pela Justiça.
Ilhabela e royalties do pré-sal
E note que foi neste mesmo período, de 2009 até 2016, que o orçamento de Ilhabela cresceu seis vezes. A cidade era a terceira a receber mais royalties no Brasil, pela exploração de gás e do petróleo do pré-sal dos campos de Mexilhão e Sapinhoá na Bacia de Santos.
Então nada melhorou com o valor gerado pelos royalties? Sim, houve alguma melhora, mas tímida. Os oito anos de fartura renderam 13 escolas, 4 prontos-socorros, e ampliação, tímida, da rede de esgotos.
Por outro lado, no mesmo período Ilhabela, ao contrário das outras cidades da região, não conseguiu acompanhar a curva ascendente da meta do Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica). Em 2013 o índice do município foi de 5,3, abaixo da projeção de 6,0.
Não basta apenas construir escolas. É preciso investir no aprimoramento do corpo docente, entre muitas outras questões.
Toninho Colucci não valoriza as tradições de Ilhabela
Antonio Colucci parece se envergonhar das tradições de Ilhabela. Por exemplo, muitos anos atrás visitei com um amigo nascido na ilha, Zé Nogueira, uma salga abandonada na praia da Armação.
A centenária Vencedora que Toninho Colucci escondeu, construindo um chafariz no local.
Para nossa surpresa lá estava enterrada na areia uma imensa canoa de voga, símbolo de Ilhabela, do avô do dono da salga. Imediatamente conversamos com o caiçara de origem japonesa, Renato Kengo Imakawa. E o convencemos a doar a ‘Vencedora’.
Assim foi feito. A canoa foi reformada e colocada na praça principal, orgulhando os caiçaras nativos e chamando a atenção de turistas. Até que Toninho Colucci retirou-a da praça, escondeu-a num depósito da prefeitura e ergueu um tedioso chafariz em seu lugar. Na época publicamos o post Prefeito de Ilhabela quer torná-la Ilhafeia.
Outra joia de Ilhabela do passado é a Casa da Princesa, construída em 1870 e considerada uma relíquia do patrimônio histórico e cultural de Ilhabela. Pois o incansável Colucci a quis transfigurar na Câmara Municipal, descaracterizando o patrimônio com reforma e ampliação. Felizmente, os próprios vereadores de Ilhabela manifestaram-se contrários e a casa foi poupada.
O prefeito Márcio Tenório, cassado em 2019
E os royalties do petróleo continuavam a jorrar. Em 24 de setembro de 2017, o jornal o Estado de S. Paulo destacou que…”a cidade recebe um terço dos recursos do petróleo de São Paulo; prefeitura ganhou sede nova, mas moradores reclamam de falta de infraestrutura.”
Em março de 2016, por orientação do prefeito, a Câmara Municipal aprovou reajuste de 38,2% no salário do prefeito, do vice-prefeito e dos secretários municipais, que entrou em vigor em 2017.
Que ao menos as que sobraram, assim permaneçam em Ilhabela.
Com isso, dizia o site NCA na época, ‘o próximo prefeito ganhará R$ 24 mil -valor maior que o salário atual do governador Geraldo Alckmin (PSDB), de R$ 21 mil. Segundo o Executivo, o cálculo considera reajustes pendentes desde 2012, além de 8% referente à projeção da correção de 2016’.
Márcio Tenório (PMDB), foi eleito em 2016 mas cassado em 2019 por, segundo a Polícia Federal, ‘fraude à licitação, superfaturamento de preços, corrupção ativa e passiva, lavagem de capitais e associação criminosa’.
Assumiu sua vice, Gracinha, (PSD), que já declarou apoio à criação da Resex em Castelhanos e que entrega o cargo ao final deste ano. Para quem?
De novo Toninho Colucci na prefeitura a partir de janeiro de 2021
Atualmente o ponto mais crítico de Ilhabela é a Baía de Castelhanos onde vive uma comunidade de pescadores artesanais. A baía fica do lado de fora da ilha principal, o lado mais ‘selvagem’ por isso até hoje foi poupado pela especulação.
Remanescente de Floresta de Restinga
Castelhanos abriga um grande remanescente de Floresta de Restinga, Vegetação de Praias, Floresta Baixa e Floresta Alta de Restinga, e vegetação de Transição Restinga Encosta, de acordo com a Resolução Conama nº07/96; é a formação florestal mais ameaçada dentre as demais formações do bioma Mata Atlântica.
Ilhabela propõe a criação de uma Resex
É isto que está em jogo. Como resposta, a atual gestão propõe a criação de uma Resex municipal. A unidade de conservação, que já criticamos do ponto de vista da conservação pura, é bem-vinda para assegurar ao menos a posse dos caiçaras, preservando sua cultura e a flora e faunas locais.
Os turistas que frequentam o ‘lado de dentro’, isto é, o lado que dá face ao canal e ao município de São Sebastião, têm acesso à baía através de uma pequena estrada de terra que corta Ilhabela por dentro da exuberante mata atlântica até atingir Castelhanos, é estreita, sinuosa e perigosa. A estrada de terra não suportaria uma carga mais alta.
A ‘dona’ de Castelhanos
Toninho Colucci é casado com Lúcia Reale Colucci, de família tradicional da ilha. Ela se diz dona de áreas em Castelhanos. E desde 2017 ameaça o que sobra da mata atlântica para ali erguer um resort. Segundo fontes bem informadas, o que eles fizeram foi entrar com ações de usucapião à revelia dos caiçaras que lá moram, e que sequer ficaram sabendo do procedimento.
Por estes motivos, o Mar Sem Fim aplaude a iniciativa da atual prefeita, e de ONGs que lutam pela preservação do Litoral Norte paulista, como o Instituto de Conservação Costeira que participa ativamente desta luta tendo enviado um ofício neste sentido à prefeitura de Ilhabela.
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